História
Os Invasores do Século XX
O pequeno município de Rio Tinto em nada se parece com uma cidade nordestina da Paraíba. A arquitetura europeia de grande parte de suas casas e estabelecimentos, a igreja central, uma grande fábrica desativada e um misterioso palacete, que fica mais afastado, segue o estilo inglês dos edifícios de Manchester, na Inglaterra, com seus típicos tijolos aparentes.
A intrigante peculiaridade das construções de Rio Tinto remete a um passado próspero e, ao mesmo tempo, obscuro.
Em pleno século XX, a história de usurpação estrangeira do território potiguara no litoral Norte paraibano se repetiu.
A invasão, daquela vez, foi encabeçada pelos irmãos Frederico e Arthur, da família de imigrantes suecos Lundgren. Em 1907, com a morte do pai Theodor, a dupla herdou a Fábrica Paulista, em Recife, considerada como uma das mais importantes manufaturas de tecidos do país.
Com o objetivo de expandir os negócios, a segunda geração dos Lundgren comprou, em 1917, uma isolada área de 601 quilômetros quadrados, próxima ao rio Mamanguape.
Parte da região pertencia à aldeia potiguara Jaraguá que teve moradores desalojados e grandes porções de sua Mata Atlântica desmatada para a construção de uma fábrica, assim como para alimentar, de lenha, suas respectivas caldeiras.
Em 1924, com toda a pompa e isenção de impostos estaduais, foi inaugurada a Companhia de Tecidos Rio Tinto que viria a se tornar uma das maiores da América do Sul.
O distrito homônimo transformou-se em uma remota vila operária, com ruas divididas de acordo com a hierarquia dos cargos ocupados na indústria. As casas seguiam a mesma organização. Iam das mais simples, sem luz elétrica e água encanada, ocupadas por operários, muitos deles indígenas que foram expulsos de suas terras, até as residências mais luxuosas, equipadas com toda a infraestrutura, que eram habitadas por técnicos e diretores europeus, em sua maioria, formada por alemães.
Afastada da vila, a mansão fortaleza dos Lundgren, que hoje faz parte das terras potiguaras, cercada por altos muros e portões de ferro, servia como morada ocasional da família. Dentro do palacete, uma sala/tribunal com um grande púlpito corrobora até hoje a terrível fama dos irmãos Frederico e Arthur, de coronéis implacáveis da indústria.
O controle dos operários, pagos por peça produzida e desencorajados a qualquer manifestação, era rígido.
O policiamento particular vigiava o acesso à vila e apenas pessoas autorizadas pela Empresa podiam permanecer em Rio Tinto.
Na década de quarenta, greves e um violento levante dos operários, no fim da Segunda Guerra Mundial, que exigiam a expulsão dos funcionários germânicos, revelavam a insatisfação, não só em relação à ausência dos direitos trabalhistas, mas, também, com a presença de supostos membros e simpatizantes nazistas. Reza a lenda que a fábrica serviria de fachada para a enigmática Operação Odessa, montada com o objetivo de receber e acobertar criminosos de guerra. Para quem quiser saber mais sobre a tese do esquema de proteção e fuga nazista, ocorrido na Argentina, e tentar encontrar semelhanças com a história em Rio Tinto, a dica é o livro A verdadeira Odessa, do escritor Uri Goñi.
Teorias tupiniquins à parte, os alemães ficaram e a Companhia de Tecidos Rio Tinto continuou funcionando bem até 1960, quando exportava para Europa e para os Estados Unidos e tinha 15 mil funcionários.
No final da década de sessenta, com a perda de mercado e crises econômicas da indústria têxtil, os Lundgren começaram a vender, gradativamente, suas terras para produtores da cana-de-açúcar. No começo dos anos noventa, a fábrica estava totalmente desativada. Atualmente, a família recebe o aluguel de 80% das casas de Rio Tinto.
Os potiguaras, por sua vez, conseguiram recuperar e demarcar 7.487 hectares das terras indígenas de Monte-Mor que aguardam sua homologação. Assim que a ratificação sair, a ideia é transformar a mansão, apelidada pelos moradores locais de castelo de Hitler, em um grande memorial indígena.